Terminei o show,
mas o aplauso ficou preso na garganta do tempo.
Corri, sem olhar pra trás,
pra habitar uma casa que já era minha antes de eu nascer.
Portas de madeira antiga —
rangem como memórias que não sabem mais mentir.
Janelas largas, como olhos cansados
de vigiar os medos que dormem no quintal.
Chegaram os fantasmas de ontem,
amigos que o tempo bordou no tecido da alma.
Disseram que ali cabia ensaio,
mas eu só ouvia o eco de coisas que nunca disse.
Então mudei de cenário:
o casarão virou templo suspenso,
e a solidão ganhou forma —
um vulto de sonhos não sonhados,
que surgiu com o cheiro da tarde e entrou sem bater.
Quis saber o que guardo nas bagagens da alma.
Respondi com a desculpa de sempre: “É de outra era.”
Mas o zíper rasgou silêncios —
fantasias de sombras, desejos com asas de couro,
relíquias de um fogo ancestral.
E ali, entre o susto e o riso,
eu compreendi:
há casas que reformamos por fora
para esconder os cômodos onde arde o invisível.